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João não conseguiu desfrutar da ação que ganhou em março deste ano - Veja na matéria do El-País | João Gilberto num show em Nova York em 2008.J. VARTOOGIAN (GETTY IMAGES) |
No último dia 6 de
julho de 2019, o Brasil (e o mundo) perdeu um dos seus maiores expoentes da
música (para muitos, o maior): João Gilberto Prado Pereira de Oliveira, ou, simplesmente,
João Gilberto. Baiano de Juazeiro, “carioca da gema”, cidadão do mundo. Dono de
uma personalidade ímpar, de um virtuosismo que elevada a sua arte a um patamar
maior, e que também o relegava muitas vezes à fama de “chato”, “mal humorado”,
“metido a besta”. Tudo uma grande bobagem, que eu vou tentar desmistificar (eu
disse “tentar”!) nessas mal traçadas linhas que aqui se seguem. Como admirador
e fã da nobre arte do João Gilberto, eu gostaria muito de tê-lo homenageado
ainda em vida, o que infelizmente não aconteceu. Então, faço-o agora, nesse meu
retorno oficial como colunista do Portal Terra de Lucas, depois de um grande
hiato devido a questões profissionais e pessoais. Obrigado a todas e a todos
que me aguardaram!
Mas, afinal, o que fazia de João Gilberto um
cara tão diferenciado artisticamente? Desde já, ressalto que a minha pretensão
ao tentar responder a essa pergunta não é redigir uma minibiografia dele. Na
internet mesmo você encontrará inúmeras delas. Tentarei me ater à formação da
identidade artística do cara. Então, vamos lá! Desde muito jovem, ainda em
Juazeiro, o João Gilberto era amante da música de Orlando Silva e tinha um
ouvido privilegiado. Comenta-se que aos sete anos de idade, notou um erro de
execução da organista da igreja local, em meio a inúmeras vozes do coro,
deixando a plateia abismada. Essa característica o levou a um nível de
virtuosismo acima da média, e o rendeu alguns problemas posteriores, conforme
mencionei logo no início do texto. Com quatorze anos de idade ele ganha de
presente do pai o seu primeiro violão, e começa a tocas em pequenos grupos
locais. É o começo de tudo!
Em 1950, João Gilberto
se muda para o Rio de Janeiro, aprofunda-se na obra de Orlando Silva, seu
primeiro grande ídolo na música, e se aproxima do trabalho de artistas como
Dick Farney e Lúcio Alves, considerados para a época artistas mais modernos.
Aproxima-se também do jazz de Chet Baker, sua grande influencia vocal no estilo
que viria a desenvolver posteriormente, a medida que também se aprofunda na
então moderna música popular brasileira, especialmente no samba. Daí surge a
Bossa Nova: da junção do jeito suave e mínimo de cantar, acompanhando a batida
cadenciada do violão misturando a melodia do samba brasileiro à harmonia do
jazz. Esse novo estilo causou uma revolução não somente na música brasileira
como mundial, influenciando diretamente a obra de artistas consagrados como
Caetano Veloso, Gilberto Gil, David Byrne, Sting e Frank Sinatra. Este último
regravou o clássico Garota de Ipanema
em língua inglesa (ver
aqui),
fazendo a canção despontar entre as mais executadas no mundo até os dias
atuais.
Não é a minha intensão
aqui, mas me proponho a num futuro próximo escrever um texto trazendo exemplos
de elementos da sonoridade de João Gilberto na obra de artistas nacionais e
internacionais. Vai demorar um pouco porque exigirá um trabalho de pesquisa um
pouco mais aprofundado. Mas, quem sabe não sai antes do previsto! Desde já,
coloco-me a disposição para receber sugestões que possam me auxiliar nessa
tarefa.
Os “cartões de visita”
do novo estilo criado por João Gilberto correspondem aos seus três primeiros
álbuns de estúdio, ambos lançados pela saudosa gravadora Odeon: o clássico Chega de Saudade
(1959); O
Amor, o Sorriso e a Flor (1960); e João
Gilberto (1961). A seguir, veio parcerias internacionais
seminais para a divulgação da Bossa Nova Brasil afora, como com o saxofonista
Stan Getz, com quem gravou dois clássicos mundiais: o Getz/Gilberto
(1964); e o Stan
Getz Featuring João Gilberto – The Best of Two Words
(1976), que contou com a belíssima participação especial da cantora Astrud
Gilberto, sua então esposa. A partir de então, João Gilberto ganhou o mundo,
residiu nos Estados Unidos e no México, criou uma legião de fãs e discípulos,
apresentou-se em algumas das casas de shows mais badaladas do mundo (como no
Carnegie Hall, em 1962).
Em 1979, retorna ao
Brasil em definitivo. A partir de então, paulatinamente ele vai se tornando
cada vez mais recluso e exigente, potencializando a sua fama de “chato”. O fato
é que João Gilberto sempre foi um artista muito a frente do seu tempo, não
somente pelo seu caráter inovador, mas também pelo seu conhecimento técnico
apurado. Hoje, por exemplo, todo mundo que tenha um conhecimento técnico
razoável sabe que ar condicionado prejudica a acústica de instrumentos de
cordas, e que não há nada pior para alguém que usa a voz como instrumento
principal ter uma plateia barulhenta tentando acompanha-lo desafinadamente.
João Gilberto sabia isso há décadas atrás. Isso fez dele um cara não somente
genial, mas “chato” precocemente. João morreu com a saúde debilitada, envolto em
dívidas acumuladas e tretas familiares. Sua arte permanece mais viva do que
nunca, e continuará influenciando inúmeras gerações presentes e futuras.
Henrique Magalhães
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