Feira de Santana, minha
querida “Princesa do Sertão” baiano, é uma terra cosmopolita, o que se deve
muito ao fato de constituir o mais importante entroncamento rodoviário da
Região Nordeste. Muitos “forasteiros” acabam passando por aqui, e aqui se
estabelecem. Com isso, trazem também os elementos de sua cultura nativa, como a
culinária e a música. Assim é Feira de Santana: híbrida em sua essência,
acolhedora e efervescente. Sua produção cultural, especialmente a musical, é um
reflexo direto dessa heterogeneidade. Para ilustrar isso, eu gostaria de
mencionar uma das mais importantes produções fonográficas da música feirense
contemporânea, que nesse mês completa 26 anos de aniversário de lançamento: o
maravilhoso Pra Ver Clarear, do
talentosíssimo e gente finíssima Beto Pitombo.
Feirense “da gema”,
Beto Pitombo iniciou a carreia musical nos anos 60, no grupo Os Laifs, ao lado de Pepeu Gomes e
Jorginho Gomes, que mais tarde despontariam no cenário cultural brasileiro com
os Novos Baianos. Ainda nessa década,
integrou a banda feirense Os Trogloditas.
Partiu para a carreira solo a partir dos anos 70, como compositor, participando
de festivais, fazendo shows por toda a Bahia e gravando independentemente. Sua
discografia é composta pelos álbuns: Prata
da Casa (1983); Beco do Mocó (1986);
Pra Ver Clarear (1990); Estrada Velha (2004); e Subida da Gamboa (2014).
Lançado em 21 de
dezembro de 1990, em uma animada noite de sexta-feira, no Centro de Cultura
Amélio Amorim (Folha do Norte, 22 de dezembro de 1990), Pra Ver Clarear é um passeio pela essência da musicalidade popular
nordestina, abordando temáticas inerentes ao homem sertanejo, sua cultura e a
terra. O xote, o xaxado e o baião dominam a produção, executada no WR Estúdios
(do saudoso e genial produtor Wesley Rangel), mas também há espaço para
baladas, com a lindíssima e singela Valsa
Qualquer (ver vídeo abaixo). Há também parcerias com nomes importantes da
cena cultural feirense, como Carlos Pitta – na faixa-título, Pra Ver Clarear – e Outran Borges – nas
faixas Samba Cordel, Bicinho Bom, Xote da Mistura e Corte do
Rei Artur. Em suma, trata-se de um disco híbrido, acolhedor e cosmopolita,
mas com personalidade própria, como a própria Feira de Santana.
No galope Erva Curadeira, Beto exalta a
diversidade de ervas do sertão, e o conhecimento sertaneja acerca das mesmas
(“Menino, pra lhe curar/ Eu já mandei fazer um chá/ Jurubeba, catuaba e milome/
Camomila, erva-mate a nossa fome”). A diversidade botânica sertaneja também é
enfatizada, ilustrando uma relação íntima com a natureza, em Mandioca Cigana (“Mata que sai, amor/
Não volta mais, amor/ Chuva que cai, água que sai/ Bebendo tudo, amor”). Já na
supracitada parceria com Outran Borges, Xote
da Mistura, o compositor faz menção a Luíz Gonzaga e Sivuca, figuras
seminais da música popular nordestina, e duas de suas maiores influências
artísticas (“Vamos voltar ao tempo da cintura fina/ Cintura apertadinha,
cinturinha de pilão/ Voltar o tempo do mestre Gonzaga/ Vem cá, minha menina,
vem cá, meu coração”). Ao todo são 8
faixas (que, infelizmente, não estão disponibilizadas no Youtube ou em
plataforma digital alguma) que nos convidam a um passeio pela musicalidade
nordestina, e a um olhar sobre a cultura popular e diversidade da natureza
sertaneja.
Em tempos onde a identidade
da musicalidade e da cultura sertaneja como um todo tem sido diluída em fenômenos
“líquidos”, como tal “sertanejo universitário”, faz-se imprescindível que
resgatemos e alimentemos nossa identidade regional, com o que há de melhor em
nossa produção cultural. O grande Beto Pitombo e a sua grandiloquente obra nos
convidam a esse resgate. Salve minha terra “(...) formosa e bendita/ Paraíso
com nome de Feira” (trecho do Hino Municipal de Feira de Santana, composto por
Georgina Erisman), salve Beto Pitombo e todos os demais grandes músicos e
compositores feirenses!
Henrique
Magalhães
Biólogo,
professor, pesquisador e colecionador de discos de vinil
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